Grupo: A gastronomia nacional é fortemente influenciada pela conhecida dieta mediterrânica. De que forma é que os hábitos alimentares dos portugueses se alteraram com o decorrer do tempo?
Nutricionista: A meu ver, as pessoas estão cada vez mais sujeitas a um maior stress e a pressões de tempo, fazendo com que a preparação de refeições equilibradas e saudáveis se torne um desafio ainda maior. Deste modo, é fácil saltar refeições ou até mesmo recorrer a fast food, pelo que o consumo de peixe, azeite, legumes e verduras vai sendo progressivamente diminuído. Tem-se verificado um afastamento gradual da dieta do tipo mediterrânica, com o aumento do consumo de produtos de origem animal muito superior ao dos de origem vegetal.
G: Quais os pontos positivos e negativos que destaca dessa evolução?
O fenómeno da globalização permitiu diversificar a dieta, ao mesmo tempo que criou novas fontes de nutrientes.
No entanto, surgiram certas doenças provenientes de maus hábitos alimentares, tais como obesidade, colesterol elevado, gastrite, diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares.
G: Actualmente, é evidente a ligação entre as práticas alimentares e a saúde e bem-estar. Efectivamente, em resultado de hábitos incorrectos, o organismo desenvolve certo tipo de doenças. No nosso país, quais são as mais comuns?
As mais comuns são, por exemplo, a diabetes, doenças do foro cardiovascular e vários tipos de cancro, nomeadamente do estômago.
G: Fale-nos um pouco da mais vulgar (principais grupos sociais afectados, faixa etária de maior incidência, causas e sintomas associados).
A diabetes é uma doença crónica que se caracteriza pelo aumento dos níveis de açúcar (glicose) no sangue e pela incapacidade do organismo em transformar toda a glicose proveniente dos alimentos.
É uma doença em crescimento, que atinge cada vez mais pessoas em todo o mundo e em idades mais jovens. No entanto, há grupos de risco com fortes probabilidades de se tornarem diabéticos, como sendo pessoas com familiares directos com diabetes, homens e mulheres obesos e homens e mulheres com tensão arterial alta ou níveis elevados de colesterol no sangue. De igual modo, mulheres que contraíram a diabetes gestacional na gravidez, crianças com peso igual ou superior a quatro quilogramas à nascença e doentes com problemas no pâncreas ou com doenças endócrinas têm maior tendência para sofrer desta doença.
Nos adultos - A diabetes é, geralmente, do tipo 2 e manifesta-se através dos seguintes sintomas: urinar em grande quantidade e muitas mais vezes, especialmente durante a noite; sede constante e intensa; fome constante e difícil de saciar; fadiga; comichão no corpo; visão turva.
Nas crianças e jovens - A diabetes é quase sempre do tipo 1 e aparece de maneira súbita, sendo os sintomas muito nítidos. Entre eles encontram-se: urinar muito, podendo voltar a urinar na cama; ter muita sede; emagrecer rapidamente; grande fadiga, associada a dores musculares intensas; comer muito sem nada aproveitar; dores de cabeça, náuseas e vómitos.
Relativamente as doenças cardiovasculares, é de salientar que estas são actualmente responsáveis por cerca de 40% dos óbitos em Portugal, constituindo de igualmente um tipo de patologia incapacitante.
G: Na sua opinião, a generalidade da população tem acesso a informação nesta matéria? Considera que a falta de informação pode conduzir ao aparecimento de determinadas doenças, nomeadamente distúrbios alimentares?
Na minha opinião, a generalidade da população não está suficientemente informada acerca das consequências relativas às práticas alimentares erradas, embora actualmente encontremos, com alguma facilidade, dados inerentes a esta problemática.
Efectivamente, a falta de informação por si só constitui um factor de risco, na medida em que conduz à não adopção de medidas preventivas e promove, por outro lado, hábitos menos saudáveis. As campanhas para a diminuição da incidência deste tipo de patologias passam, sem dúvida, por acções de sensibilização junto da comunidade em geral.
G: Os distúrbios alimentares afectam um número crescente de jovens. Gostaríamos que nos elucidasse acerca das principais características da anorexia e bulimia.
Anorexia - Pessoas com anorexia revelam um medo extremo em relação ao aumento de peso e têm uma visão distorcida do seu corpo. Consequentemente, lutam para manter um peso corporal muito baixo, restringindo a comida que ingerem e através de exercício físico excessivo. A pequena quantidade de comida que ingerem torna-se uma verdadeira obsessão.
Este distúrbio é caracterizado por: um decréscimo no valor da tensão arterial, pulso e taxa respiratória; perda de cabelo e unhas quebradiças; ausência de menstruação; aumento da pilosidade; dificuldade de concentração; anemia; inflamação das articulações e ossos frágeis.
Quem sofre de anorexia pode: tornar-se extremamente magro e frágil; ficar obcecado com o controlo do peso e com a ingestão de calorias; pesar-se constantemente; racionar as refeições; exercício físico excessivo; sentir se gorda (o); evitar actividades sociais, especialmente quando envolvem refeições; sentir-se deprimida(o), letárgica(o) (sem energia) e sensação constante de frio.
Bulimia - A bulimia caracteriza-se pela ingestão exagerada de calorias, seguida do vómito provocado. Alguém com bulimia pode sofrer flutuações de peso, mas raramente experimenta o baixo peso associado à anorexia.
Este distúrbio é caracterizado por: dor de estômago constante; danos ao nível do estômago e dos rins; degradação dentária (devido à exposição aos ácidos estomacais); alterações na fisionomia da face – quando as glândulas salivares expandem permanentemente devido ao vómito regular; ausência de menstruação; diminuição dos níveis de potássio, o que pode contribuir para problemas cardíacos e até mesmo morte.
Alguém com bulimia pode: recear o aumento de peso; estar profundamente descontente com o tamanho, forma e peso; inventar desculpas para ir à casa de banho imediatamente após as refeições; comer apenas de acordo com uma dieta rigorosa, ou alimentos com baixo teor de gordura; comprar regularmente laxantes e diuréticos; praticar exercício físico de forma excessiva, tentando “queimar” calorias; evitar actividades sociais, especialmente quando envolvem refeições.
G: Que tipo de factores podemos associar ao aparecimento destes distúrbios?
Não existe uma causa específica para esses distúrbios alimentares, porém muitos factores contribuem para o seu desenvolvimento: uma possível causa genética; problemas e anormalidades metabólicas e bioquímicas; pressão social para ser magro; pressões pessoais e familiares; medo de entrar na puberdade e tornar-se sexualmente activa e factores emocionais, tais como uma baixa auto-estima durante a fase da adolescência ou pré-adolescência; a excessiva importância dada à imagem corporal e à perfeição.
G: Quais as consequências a curto e a longo prazo dos mesmos?
Os indivíduos que sofrem destes distúrbios alimentares apresentam efeitos físicos da doença visíveis: perda de cabelo, frequência cardíaca baixa, pressão arterial baixa, ausência de menstruação ou menstruação irregular. Tendem também a vivenciar depressão e desenvolvem osteoporose na idade adulta mais avançada, pela falta de cálcio e pela diminuição da produção de estrogénio (hormona feminina) quando param de menstruar (exercícios em excesso também podem contribuir para a osteoporose); por último, podem ter danos severos no coração e outros órgãos vitais pela perda de peso excessiva e pelo desequilíbrio de minerais como consequência dos vómitos e da má nutrição.
G: Hoje em dia, o mercado encontra-se saturado de produtos alimentares com excessivos teores de açúcares e gorduras, acessíveis a todos e atractivos para crianças e jovens. Na sua opinião, de que modo os educadores/pais poderão incutir hábitos de alimentação saudável?
Penso que a educação nutricional das crianças é essencial para uma alimentação equilibrada, consciente e com todos os nutrientes necessários para seu crescimento saudável. A participação dos pais e responsáveis é muito importante nesse processo, que resultará na formação de um adulto com maior qualidade de vida.
Para preparar uma lancheira saudável, é muito importante que a criança participe na escolha dos alimentos. Essa tarefa é uma boa oportunidade para explicar aos pequenos sobre a importância dos diferentes tipos de alimento em cada refeição e seus respectivos benefícios para a saúde. A lancheira ideal deve conter alimentos energéticos, como o pão, construtores (queijo, leite, iogurte) e reguladores (frutas naturais ou secas, como pera, maçã, uva e banana).
G: No âmbito escolar, qual a visão que possui relativamente ao tipo de normas de conduta alimentar actualmente aplicadas?
Na minha opinião, deveriam ser implementadas medidas para restringir a venda de produtos refinados, tais como bolachas, chocolates e bolos, provenientes das máquinas/bar.
Creio que esta situação reflecte os interesses económicos, tendo em conta que os lucros de sobrepõem às preocupações com a saúde.